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Como eu gastava tempo desejando mais tempo - Paulo Aguirra

Enviado por Gilberto Godoy
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   Não é incomum que eu ouça de amigos e colegas reclamando de falta de tempo, ou sobre como eles gostariam de ter tempo para fazer outra coisa. Eu passei por uma situação similar a essa a alguns anos atrás quando estava me formando. Os meus professores passavam listas e mais listas bibliográficas, e em maioria eram sobre tópicos que não me interessavam. Com o tempo, eu passei a ficar estressado e desmotivado antes mesmo de começar a ler os artigos e capítulos dessas listas. Eu queria mais tempo para ler as coisas que me interessavam, e as exigências da universidade estavam consumindo todo o tempo que eu tinha.

   Na metade do 3º ano, eu estava pronto para largar a faculdade pela quarta vez. Eu não me sentia feliz, e qualquer coisa parecia melhor do que gastar mais um segundo sendo obrigado a fazer coisas pelas quais eu não me interessava.

   E por mais estranho que pareça, quando eu tinha tempo livre eu não chegava perto de livro nenhum. Eu gastava tempo no Facebook, escrevendo “textões” sobre as coisas que me deixavam irritado. Eu gastava tempo lendo jornais, especialmente as matérias que eu discordava. Eu gastava tempo assistindo Netflix, e cheguei a gastar mais tempo procurando o que assistir do que de fato assistindo algo. Eu gastava tempo saindo com meus amigos, geralmente falando sobre como algo que eu li estava errado.

   Eu só reparei isso quando me perguntei: “Onde você está quando reclama? ” (Uma pergunta bem comum em qualquer aula de Análise do Comportamento). Eu só reclamava durante as aulas, e em volta de família e amigos. Nunca quando eu poderia de fato fazer algo sobre isso. Essa pergunta foi chave para que eu pudesse compreender o que estava acontecendo. Demorou por volta de uma semana para entender que apesar de eu não ter muito tempo livre, não era um problema de tempo. Era um problema de comportamento.

   Reclamar virou algo muito importante na minha vida.

   Eu não estou dizendo que pessoas não podem, ou devem reclamar. Eu acredito que as minhas reclamações era legitimas. Eu estava sofrendo com um problema real. Gastar meses lendo coisas desinteressantes e 25h por semana em aulas que eu não via sentido estavam afetando a minha relação com a minha mulher, filho e amigos.

   O que eu estou dizendo é que reclamar virou a única coisa que eu sabia fazer sobre isso. Por exemplo, eu me interesso muito por sistemas de ensino, mas ao invés de usar algum conhecimento sobre isso para aprender melhor, eu gastava boa parte do meu tempo livre reclamando sobre o sistema de ensino atual.

   Esse paradoxo virou o resumo da minha vida educacional. Sob uma perspectiva funcional, mesmo que meus colegas achassem meus discursos entediantes, era comum receber elogios sobre os meus argumentos. Alguns professores não gostavam da minha atitude em sala, mas eu acho que eles gostavam dos meus argumentos serem baseados nas leituras recomendadas. Meus amigos – como os bons amigos são – sempre me apoiavam e me ajudavam a criticar o sistema educacional. Eu até comecei a criticar os autores que eu admirava. Ficar irritado virou a única coisa que fazia.

   Em um sentido amplo, eu estava o que eu queria, estudando e sendo um bom aluno. Mas não como eu queria. Eu estava virando um crítico de psicologia ao invés de um psicólogo.

   Esses comportamentos provavelmente me ajudaram a levar os primeiros 3 anos (mesmo que intermitentes). Eu era visto como um bom aluno – mesmo que por motivos incomuns. Mas ao mesmo tempo eu não consegui lembrar porque estava fazendo tudo isso.

   Você pode estar pensando que eu era viciado em reclamar. Curiosamente, eu usei uma série de técnicas de prevenção de recaídas para mudar o que eu estava fazendo.

   Sabendo que o meu problema não era tempo, eu tentei compreender porque eu lia os textos que os meus professores passavam, mas não os que eu gostava. Claro que a possibilidade de ser reprovado é um fator importante, mas isso ocorria juntamente com o uma série de regras impostas pelo professor. O aluno tem que ler ESSE texto.

   Eu não tinha um ESSE para ler, e mesmo quando eu tinha, era um texto isolado que me tomava apenas algumas horas. Mesmo com o Google Scholar disponível, eu não sabia o que ler, e enquanto eu procurava algum artigo, o Facebook roubava a minha atenção. Sabendo disso, baixar 150 artigos aleatórios sobre coisas que eu já sabia que me interessavam (Análise do Comportamento e Análises de Sistemas comportamentais).

   Eu também decidi que um dos meus objetivos era ler artigos da mesma forma que eu lia o Facebook ou jornais. Eu queria “ler artigos que me interessam” na minha rotina o máximo possível. Então, eu tive que criar condições em que começar a ler um artigo fosse tão fácil quanto começar a ler facebook.

   Eu deixei todos eles disponíveis a todos os instantes (eu tinha artigos no computador, no celular, no Kindle e até impressões na minha mochila), e isso foi crucial para atingir meus objetivos. Quando eu tinha tempo livre, não gastava tempo procurando por algo, simplesmente abria a pasta, pegava o livro ou o Kindle e lia.

   E como os protocolos de prevenção de recaída dizem, eu escrevi os passos que eu isso aconteceria. Nesse caso, eu botei os artigos em uma ordem aleatória (1 – 150), e descrevi quais situações eu poderia ler ou escrever algo sobre os artigos. Também estabeleci um mínimo de 1 artigo por dia.

   Isso me ajudou de duas formas: (1) eu não me senti sobrecarregado pela quantidade de leitura (partir de 0 para 150 é muita coisa). Cada artigo era uma marquinha de “feito”, eu tirava o artigo da lista e me sentia bem com isso; (2) me ajudou a identificar onde eu poderia gastar tempo livre sem mudar minha rotina.  Se eu estava almoçando sozinho, ou em uma fila de banco, eu via o que tinha para ler na lista ao invés de abrir o Facebook, ou qualquer outra coisa.

   A primeira semana foi ótima. Eu li em 10 artigos da lista, mantendo as leituras impostas pela faculdade e de jornais. Foi um ótimo resultado e eu me orgulhei bastante dele, mas eu ainda precisava mudar a forma como eu interagia com as pessoas. Eu precisava parar de reclamar e começar a falar sobre as coisas fantásticas que eu estava lendo.

   Ao invés de reclamar nas salas de aula, eu passei a ler a minha lista, mantendo um mínimo de participação. Além disso, eu passei a conversar com professores fora da sala de aula sobre o que eu havia lido e como isso poderia ser usado nos campos de atuação deles. Eles me deram ótimos ideias, e alguns começaram a pedir a minha perspectiva em alguns tópicos (eles queriam visões diferentes, não as minhas antigas reclamações).

   Meus amigos foram fantásticos. Da mesma forma que eles me apoiavam em reclamar passaram a ficar interessados no meu projeto e nas minhas leituras.

   Eu achei um grupo online que tem os mesmos interesses que eu (outra coisa de prevenção de recaídas). Nesse grupo passei a me engajar em projetos relacionados com os meus interesses e tinha uma comunidade disponível para falar sobre o que eu lia sempre que eu quisesse.

   Depois de um ano, ler e me manter engajado na análise do comportamento ficou, e ainda é uma coisa tão simples quanto abrir o Facebook. Posso até dizer que está tão intrincado na minha rotina que eu faço com tanta frequência quanto ler em português.


     * Paulo Aguirra é psicólogo, analista do comportamento em Brasília.

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