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O absurdo projeto do Ato Médico

Enviado por Gilberto Godoy
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    Aprovado na última quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso do Senado Federal, o texto do relator Antônio Carlos Valadares estabelece uma hierarquia entre a medicina e as outras profissões da área da saúde, condicionando à autorização do médico o acesso aos serviços de saúde.
 
     Biomédicos, farmacêuticos, enfermeiros, psicólogos, acupunturistas, nutricionistas, fisioterapeutas, odontólogos, fonoaudiólogos, optometristas, terapeutas ocupacionais, biólogos e outros profissionais da saúde não podem mais exercer cargos de chefia e direção em núcleos multidisciplinares de saúde, mas apenas de direção administrativa de serviços. A própria filosofia e prática multidisciplinar, que já vem engatinhando no SUS, em tentativas sempre derrubadas pelas políticas médicas corporativistas, entra num retrocesso sem parâmetros na história.
 
     O Conselho Federal de Medicina, que articula desde 2002 a aprovação do Ato Médico, acredita que a necessidade de regulamentação da profissão é fundamental já que há dois mil anos, quando foi fundada, não existiam outros profissionais de saúde e, assim, todos os diagnósticos e prevenções estavam sob controle dos médicos. Os primeiros textos do Ato Médico reivindicavam que a aplicação de simples injeções fosse exclusividade dos médicos, por exemplo. A regulamentação da profissão é um direito dos médicos, mas as reivindicações estapafúrdias deixam claro que é apenas uma briga de mercado, uma tentativa de bloqueio corporativista contra o crescimento das outras profissões e não a favor da medicina.
 
     O cerco aos profissionais de saúde não-médicos foi longe, e mesmo depois de tantos remendos, ainda apresenta problemas. No artigo 4º da PL aprovada, o diagnóstico nosológico se transforma em exclusividade dos médicos e atrapalha diretamente o exercício de outros profissionais de saúde, como os psicólogos, que agora não podem mais diagnosticar sinais e sintomas das doenças.
 
     Fisioterapeutas que atendem pacientes com problemas respiratórios ficarão literalmente segurando o balcão na mão até a chegada do médico: a “definição da estratégia ventilatória inicial” passa a ser uma exclusividade médica.
 
     As enfermeiras brasileiras continuam de bandeja na mão diante da aprovação do Ato Médico, que propõe um modelo falido de atendimento à saúde, centrado no atendimento clínico, medicamentoso, intervencionista e hospitalocêntrico, ou seja, tudo aquilo que enriquece médicos e corporações privadas de saúde. A prestação de serviços desse modus operandi aos cidadãos é o que temos visto diariamente estampando capas de jornais. Os médicos estão sobrecarregados, há sobra de clientes pobres, a briga é por clientes de alto padrão e os argumentos caem como luva para uma sociedade que foi aculturada à mitomania médica.
 
     Aprovado o Ato Médico e posto em prática, vamos ter falta de médicos no SUS e excesso de médicos em clínicas privadas de fonoaudiologia, fisioterapia, casas de parto, brincando de chefes sabe-se lá com que ideias de poder. A desvalorização dos outros profissionais de saúde, que vieram crescendo na área privada mais rapidamente do que na pública, vai supervalorizar a figura do médico no atendimento público. Um grande golpe em que a classe médica será a única beneficiada.
 
     A competência médica não está em cheque, nunca esteve, os médicos sempre tiveram e sempre terão o seu lugar na sociedade; o choque é entre a visão corporativista, fechada, que não dialoga com a saúde de maneira multidisciplinar e as novas formações, muitas delas nem tão novas, que não vêem a saúde apenas como ausência de doença, mas sob conceitos mais amplos. O que faz falta atualmente nos hospitais públicos é a presença maior de outros profissionais de saúde, eles serviriam para, no mínimo, desafogar as filas, mas obviamente não é invertendo a lógica que se encontrará a solução do caminho do meio.
 
     Os psicólogos e nutricionistas, por exemplo, não estão reivindicando receitar medicamentos, mas defendendo o direito de muitos cidadãos de curarem seus transtornos emocionais sem entupir-se de medicamentos e aumentar as filas das cirurgias desnecessárias. As categorias atingidas não estão reivindicando poder sobre a saúde das pessoas e muito menos sobre suas doenças, seus pesares, mas é exatamente isso que o Ato Médico significa: um maior poder dos médicos, como se já não fosse grande o bastante, sobre nossa saúde e principalmente nossas doenças, quando nos tornamos extremamente vulneráveis.
 
     Tenho conversado com vários amigos médicos e nenhum deles é a favor do Ato Médico, todos eles trabalham em conjunto com outros profissionais de saúde, encaminham pacientes para psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e nenhum deles acha graça da síndrome da sexta-feira à noite, quando os médicos plantonistas recebem nos hospitais pessoas que não têm doença alguma, apenas carência, dor de solidão.
 
     Meus amigos médicos éticos pensam que é preciso melhorar o acesso a outras categorias, ampliar vagas nos hospitais e maternidades para outras categorias e não o contrário. Eles sabem que muitos de seus colegas se chateiam com as carências da sexta-feira à noite e são capazes de receitar remédios para dormir, irresponsavelmente, apenas para não encaminhar a um outro profissional melhor habilitado. De qualquer maneira não há nos hospitais plantonistas de outras áreas e, com a aprovação do Ato Médico, a tendência do quadro não é melhorar.
 
     O momento não é bom para centralizar a saúde ainda mais nas mãos dos médicos. Como temos visto aqui nessa coluna, as parteiras e enfermeiras obstetras têm feito muita falta dentro dos hospitais para diminuir o vergonhoso número de cesarianas no país. O Ato Médico vai contra o desenvolvimento de uma medicina humanizada, que é necessariamente rica em multidisciplinaridade. Por vaidade da corporação e reserva de mercado as mulheres não podem contar com uma assistência digna no trabalho de parto, sendo rotineiramente encaminhadas, com as desculpas mais estapafúrdias e sem base científica, diretamente para a cirurgia de extração de bebês, mais rápida e mais rentável e também mais arriscada para a saúde da dupla mãe-bebê.
 
     Por estudarem demais as tecnologias, os procedimentos, as químicas dos remédios e menos a fisiologia do corpo humano e sua estreita relação com hormônios e sintomas comportamentais, os pediatras são os maiores incentivadores de desmames precoces. A maior parte dos bebês nascidos no Brasil já sai do hospital com uma receita de leite artificial. Não é costume desse profissionais, médicos pediatras, encaminhar as parturientes para os bancos de leite, locais em que elas teriam acesso a informações de qualidade, técnicas de pega, atendimento ou encaminhamento à atenção física e psicológica adequada por outros profissionais de saúde.
 
     O Ato médico é, sem dúvida e em primeiro lugar, uma ação corporativista e de reserva de mercado, mas é também uma dor narcísica, uma impossibilidade emocional da categoria de colocar em prática um relacionamento igualitário com outros pares da saúde e em prol do ser humano, em benefício da vida. O Ato Médico é uma traição ao juramento da profissão, por isso envergonham-se dele todos os médicos éticos.
 
     Cláudia Rodrigues, jornalista.

Comentários

  • por: ROSILDA ALVES DE OLIVEIRA em sexta-feira, 16 de março de 2012
    Causa indignação que, em um país no qual é vergonhoso e desumano o atendimento nos hospitais, se cogite aprovar um texto como o Ato Médico com único intuito de atender a um segmento ávido por mercado. Longe de melhorar o atendimento aos doentes, ao se aprovar um texto como este, ao contrário, vai burocratizar o atendimento aos pacientes, gerando longas filas de espera nas áreas de saúde que não são de competência dos médicos. Bem diferente de há dois mil anos (justificativa para a provação do Ato Médico), as questões de saúde são outras. O contexto é bem diferente, requerendo novas abordagens para o tratamento das doenças, as quais não se localizam apenas no aparato orgânico. Considero um retrocesso, pois enquanto se defende um diálogo plural entre as ciências da saúde para a compreensão dos males humanos, o Ato Médico preconiza uma voz única para o diagnóstico e encaminhamento a outros tratamentos. Por fim, considero que esta proposta fere frontalmente a dignidade da Psicologia como campo científico de conhecimento.
  • por: Caroline Moura Kitayama em terça-feira, 20 de novembro de 2012
    O ato médico não é um ato pela saúde das pessoas, é um ato corporativista que visa principalmente o aumento do mercado para indústrias farmacêuticas levando a uma depedência química cada vez maior de todos que precisam de tratamentos para distúrbios que são, muitas vezes, causados por falta de esclarecimento da população. Com isso geramos uma população mais afligida por males sufocados por drogas que melhoram alguns sintomas mas que podem gerar outros levando a um ciclo vicioso.

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