Aguarde por gentileza.
Isso pode levar alguns minutos...

 

Sobre Cartas e Marchas - Theófilo Silva

Enviado por Theófilo Silva
sobre-cartas-e-marchas---theofilo-silva

     Sou de uma época em que ainda se escrevia cartas, um tempo não muito distante que acabou no início dos anos 90 com a chegada do computador pessoal. A Internet matou a carta escrita à mão. É o “progresso natural”, no entanto, diria Drummond, “Mas, como dói”. Tenho quase um milheiro de cartas guardadas em casa, testemunhas das experiências que vivenciei com familiares e amigos ao longo da vida.

     A espera ansiosa pelo carteiro, trazendo notícias da amada, da família e dos amigos distantes, deixou de existir. Receber e responder a uma carta eram uma satisfação. A história de uma pessoa, ou mesmo de uma nação ainda passa pela leitura das correspondências da época. Tudo ficava registrado, contado em forma de missivas. A epistolografia era um gênero literário, e artistas, escritores, estadistas amavam escrever cartas. Era um período em que uma letra bonita era muito admirada.

     Os americanos estão abolindo a escrita manual. Os EUA não querem mais que as crianças escrevam a lápis ou caneta, já que todas elas têm um computador. A medida está sendo implantada na grande potência, mesmo que cientistas afirmem que possa atrapalhar o desenvolvimento cerebral dessas crianças.

     Trago a história das cartas apenas como gancho, para mostrar a rapidez das transformações que estão ocorrendo a nosso redor, que nos confundem, e sobre as quais não temos qualquer controle. A morte da escrita à caneta e a lápis é apenas um dos muitos aspectos das céleres transformações que afetam a sociedade.

     Deploro a morte do cavalheirismo, a maneira respeitosa e gentil de se comportar formal ou informalmente, nos ambientes em que nos encontramos – hoje confundido com esnobismo e com os “chiques” das colunas sociais. Ser elegante é saber respeitar o espaço do outro, é o tratamento polido, sereno, sem afetações.

     O cavalheirismo é confundido com galanteria. Mesmo assim, são poucos os galantes, as mulheres podem responder isso. Poderíamos dizer que a vida apressada e tumultuada que levamos, alterada pela tecnologia digital cada vez mais sofisticada e multifuncional, não permite mais “práticas ultrapassadas” de comportamento.

     As pessoas são espirituosas, sinceras e cordiais apenas a distância, com frases pinçadas de “Pensamentos” extraídos do Google, e publicadas nas redes sociais. O Facebook, a nova forma de relacionamento, tornou-se o espaço em que muitos dão bom-dia ao sol e ao mar, abençoando o novo dia em fotos sorridentes, mas, ao entrar no elevador, não cumprimentam o vizinho.

     As centenas de leis criadas todos os dias, combinadas com um aparato decorativo do poder público em defesa do cidadão, não transformam o homens num ser humano melhor. Leis não melhoram o homem, apenas o domam.
O Brasil tem trinta partidos políticos, uma justiça lerda e voltada para seus interesses de classe, a corrupção campeando, e grande parte de uma imprensa leviana manipulando os fatos, enquanto uma minoria consciente marcha contra a corrupção – o verme que corrói o botão das esperanças vindouras. Num outro lado, milhões participam de outras marchas apenas por divertimento e falta do que fazer. É difícil de compreender.

     Cartas, marchas e cavalheiros não têm nada a ver um com o outro, nem são lados de uma mesma moeda. Mas, como diria Emerson, sagaz leitor de Shakespeare: “Não podemos descrever a ordem dos ventos variáveis... dia após dia, os fatos cruciais da vida permanecem ocultados”.
     Aqui, no Brasil, mais do que em qualquer outro lugar.

     Theófilo Silva é articulista colaborador semanal da Rádio do Moreno.

Comentários

Comente aqui este post!
Clique aqui!

 

Também recomendo

  •       “Aconteceu da mísera e mesquinha, que depois de ser morta foi rainha” - Luís de Camões
          A expressão vem de uma história na qual um nobre quer se casar com Inês, porém, já era tarde demais, pois ela já estava morta. Inês de Castro (1320 ou 1325 - 7 de Janeiro de 1355), uma nobre castelhana, foi...   (continua)


  •    É isto, nada além: um dia as pessoas morrem na gente. Pode ser um amigo que parece não se importar mais ou então aquele que telefona só quando quer ajuda, um amor que gastou todas as chances que tinha e nem toda dedicação do mundo comoveu, um primo de longe, qualquer um.   (continua)


  •    A alma só acolhe o que lhe pertence; de certo modo, ela já sabe de antemão tudo aquilo por que vai passar. Os amantes não contam nada de novo uns aos outros, e para eles também não existe reconhecimento. De fato, o amante não reconhece no ser que ama nada a não ser que...   (continua)


  •    A vida… e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas.   (continua)


  •    George Carlin, cidadão americano que usou de sua expêriencia de vida para escrever textos ousados, com uma grande dose de irônia. O comediante, escritor e ator fez grande sucesso no mundo, por se apresentar de forma parecida ao StandUp comedy, abordando temas que...   (continua)


  •    Meu maior defeito, nos despreocupados dias da infância, consistia em desanimar com demasiada facilidade, quando uma tarefa qualquer me parecia difícil. Eu podia ser tudo, menos um menino persistente. Foi quando, certa noite, meu pai me chamou para conversarmos.   (continua)


  •    "Como a mulher e o homem confrontam os 60 anos? O filme da diretora Julie Gavras, exibido na mostra internacional de São Paulo, trata de envelhecimento. De como esconder ou assumir a idade. Aos 60 você se sente maduro, curioso e sábio ou velho, amargo e ultrapassado?   (continua)


  •    "A amizade é um amor que nunca morre. A amizade é uma virtude que muitos sabem que existe, alguns descobrem, mas poucos reconhecem. A amizade quando é sincera o esquecimento é impossível. A confiança, tal como a arte, não deriva de termos resposta para tudo, mas... (continua)


Copyright 2011-2025
Todos os direitos reservados

Até o momento,  114015740 visitas.
Desenvolvimento: Criação de Sites em Brasília