Aguarde por gentileza.
Isso pode levar alguns minutos...

 

Os cheiros - Danuza Leão

Enviado por Gilberto Godoy
os-cheiros---danuza-leao

     Existem coisas que nunca esquecemos, os cheiros é uma delas. Inúmeras vezes nos deparamos com um cheiro e ele nos remete a lembranças remotas ou não. No início de 2010 li “Os Cheiros” escrito por Danuza Leão, tirei a página da revista e sempre voltava a lê-lo. Me sentir, sinto, dentro de todos os cheiros, é como voltar, reviver ou viver. Existem textos, citações, poesias, pensamentos... que nos envolve, toca, passamos a ser parte deles ou ele é parte nós?!

     Existem cheiros inesquecíveis. Cada pessoa tem seus prediletos. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Tudo. Cheiros podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se entrava em casa depois do colégio, logo antes do almoço, e se sentia o cheiro do refogado – alho, cebola e tomate – para fazer o picadinho ou o bife de panela enrolado no bacon e preso por um palitinho. Quantos segundos você leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 11 anos?

     Lembra quando há muitos, muitos anos, você ia passar as férias na fazenda? Ah, uma fazenda tem aromas absolutamente inesquecíveis: o do capim, o da terra depois da chuva, o do estábulo onde se ia de manhã bem cedo tomar o leite tirado da vaca, ainda morno, numa canequinha de alumínio. E o cheiro da tangerina? Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobrinha, modesta, de casca fina, que deixava a mão cheirando durante três dias.

      Esse é um cheiro muito alegre. O cheiro do bolo saindo do forno é para sempre – bolo de tabuleiro, cortado em losangos, com cobertura de açúcar com limão, e um detalhe precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em cima da mesa havia sempre um vidro de fortificante para abrir o apetite. Que felicidade ter tido uma infância no interior! Mas existem outros aromas não ligados ao paladar e também inesquecíveis. O cheiro do mar quando se chega em Salvador – uma licença poética, com licença. E você já teve uma tia-avó que morava numa casa bem arrumada, cujo assoalho era encerado toda semana? O brilho era dado a mão, com uma escova de cabo alto como uma vassoura, e era chegar e ouvir: “Cuidado para não escorregar”. Que cheiro limpo, honesto, que cheiro de gente direita. Será que isso ainda existe?

     Mas há também os cheiros angustiantes: os de hospital, de sala de cirurgia. Muito cheiro de flor você sabe o que lembra – melhor não falar disso. E existem os perfumes ricos: de carro novo, de um bom fumo de cachimbo. E vamos combinar: cheiro de alho é bom na cozinha, de sexo no quarto, e é proibido misturar. Por falar nisso, o cheiro do homem que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.

     As cidades também têm seu cheiro, cada uma muito particular: se você for levada, de olhos vendados, para o Bloomingdale’s, sabe na hora que está em Nova York. E se respirar um aroma de cominho misturado a curry e a canela vai saber que está no souk de Marrakesh.

     Mas existe um cheiro que só as mulheres conhecem. É o que elas sentem quando estão enxugando seus bebês depois do banho. É preciso que não haja uma só pessoa por perto num raio de 200 metros para não haver interferência de qualquer ordem. Sem nenhuma presença estranha – nem mesmo a do pai –, mãe e filho poderão dizer bobagens e rir de coisas que só eles vão entender. Depois do talco, a mãe vai botar o nariz no pescoço de sua cria e cheirar com todos os seus cinco sentidos. No princípio timidamente, mas cada vez mais forte, até quase arrebentar os pulmões de tanto amor. Na hora a gente não sabe, mas um dia vai saber: não existe nada igual a esse cheiro nem a esse momento, e nunca vai haver um melhor. Porque esse é o cheiro da vida.

     Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Na Sala com Danuza 2 (ARX) e Quase Tudo (Cia. das Letras) FotoEduardo Pozella


    Fonte:        Joseneide Montenegro - http://joseneidemontenegro.blogspot.com/

Comentários

Comente aqui este post!
Clique aqui!

 

Também recomendo

  •    Étienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563. Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que já se escreveram.  Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que... (continua)


  •    É duro aceitar que algumas pessoas são mais capazes e mais afortunadas do que outras. Há muito suspeitava que um dia as mulheres mais bonitas iam ser de alguma forma castigadas por nossa sociedade. Meu temor, em parte, se confirmou. Incluindo aí também um castigo para os homens mais bonitos. E por quê?   (continua)


  •    Hoje voltou o frio. Veio como havia muito não vinha. Gelou o ar, esfriou o sofá da sala, resgatou meias, casacos e dores do fundo de uma gaveta que emperra como não quisesse abrir. Chegou sabe-se lá de onde, do pacífico, dos polos congelados, do sul do país. Não importa. Aqui faz frio. Em seu sopro fresco e úmido, esse frio há de aquecer os ímpetos de alguém.   (continua)


  •    Existe no português uma palavra chamada solitude, que diferente de solidão é uma solidão voluntária, escolhida, desejada. Nós não somos muito acostumados a ligar vontade com solidão, por isso a palavra solitude é pouco usada. É meio óbvio pensar que as sociedades antigas só podiam dar nomes àquilo que elas viam ou que existia, pois é...   (continua)


  •    O professor de História, no seu primeiro dia de aula, entra e os alunos nem percebem, conversando, falando ou jogando no celular. Ele escreve na velha lousa um imenso H, e depois vai desenhando cabeças com bigodes e barbas, enxada, foice. A turma foi prestando atenção, trocando risinhos, e agora espera curiosa.    (Continua)


  •    Uma boa reflexão sobre o que podemos ser. 
      "Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista...   (continua)


  •    “Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapos e me presenteasse com mais um pedaço de vida, eu aproveitaria esse tempo o mais que pudesse... Possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não por aquilo que valem, mas pelo que significam.   (continua)


  •    "O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.   (continua)


Copyright 2011-2024
Todos os direitos reservados

Até o momento,  1 visitas.
Desenvolvimento: Criação de Sites em Brasília