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O homem que devora livros

Enviado por Gilberto Godoy
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     Usa jeans e gosta de boteco o campeão de leitura da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. Também revela jamais ter adoecido ou se sentido sozinho desde que aprendeu a ler. A média do ilustre letrado nos últimos 50 anos é de oito livros por mês – cerca de 4.800. No primeiro semestre de 2012, já foram 50 títulos “devorados”, retirados no setor de empréstimo domiciliar, no prédio anexo do Circuito Cultural Praça da Liberdade. Em 2011, sem contar as compras em livrarias, sebos e endereços da internet, foram 105 livros. Clóvis José Ferreira, de 64 anos, é homem simples, de raízes populares, viajante, gourmet, pai, avô e morador do Bairro Santa Tereza, Região Leste da capital.

     Nascido em Manhuaçu, na Zona da Mata mineira, o aposentado, dono de pequeno negócio do ramo imobiliário, não queria aparecer. Acabou convencido a falar e tornar pública a paixão pela leitura, que o destaca entre os mais de 90 mil associados da biblioteca estadual. Encontro marcado no “berço” do sujeito magro e elegante, com entrada pela Avenida Bias Fortes – edifício que leva o nome do Professor Francisco Iglesias (1923-1999) – respeitado intelectual e historiador brasileiro. No andar superior, onde fica parte do acervo de 230 mil títulos, Clóvis passeia com a desenvoltura de conhecedor de todas as estantes e prateleiras. Não dá conta de conversar sem ir até os livros – seus prediletos – para recomendar leitura. São muitos, mal cabem na caderneta de mão.

     O leitor lista dezenas de autores de “escrita mais fácil”, acessíveis a qualquer sujeito de mínima boa vontade. “Qualquer livro ruim é melhor do que livro nenhum”, complementa. Explica detalhes da literatura de John Grisham, Dickens, Harold Robbins – “na minha época, considerado pornográfico”, diverte-se –, James Ellroy, Dennis Lehane, Michael Connelly, James Clavell, Taylor Caldwell, entre outros tantos que venceram a velocidade da escrita da reportagem. Em cada corredor, muitas histórias, mergulhos vividos pelo homem da vista incansável. “Leitura não faz mal para a vista, leio desde os 8 anos e até hoje não precisei usar óculos. Tem gente que duvida. Aí, pego o catálogo e leio as letras mais miúdas. Pelo contrário, ter aprendido a ler nas condições mais precárias, em movimento e com pouca luz, fez com que a minha visão até melhorasse”, considera Clóvis, que na quinta-feira comemora 65 anos.

     Segue passeio pelas prateleiras e comenta romances de mais de mil páginas – alguns, lidos duas vezes. “Gosto mesmo das biografias. O que não leio são os “modismos”. Essa onda de vampiro, de lista dos 10 mais, não me pega. Não é a minha praia”, revela. Entre os brasileiros de que mais gosta, Clóvis destaca Guimarães Rosa, Benito Barreto, Agripa Vasconcelos, Érico Veríssimo, Jorge Amado… “precisa mesmo dizer? São tantos…”. Conta ter prazer com a literatura policial: “Os personagens são riquíssimos”. Com 6 mil em espécie, de Ellroy, com 850 páginas, explica: “Ele escreve de modo direto, cortante. Gosto muito”. Em novo corredor, aponta para as prateleiras: “Os ingleses descobriram o filão da Idade Média e se tornaram especialistas. Olhe só a quantidade de livros”.

     “Se fosse rico, não seria tão feliz. A felicidade é uma obrigação. Em mim não há espaço para as tristezas, para os aborrecimentos, depressão, nada disso”, diz. O jovem aposentado se orgulha de, até os 50 anos, ter dado volta ao mundo por meio da literatura. “Não tenho dúvida de que a vida que levo, a minha boa relação com o mundo e com o outro é resultado dos personagens e das histórias que conheci nos livros. A leitura melhora o ser humano. Quem lê é diferente. Não importa se você é pedreiro ou astronauta. Se você lê, o seu olhar vai além. Você se torna um profissional diferenciado. Entende e sabe identificar melhor as qualidades e os defeitos das pessoas”, considera. Para ele, se as pessoas lessem mais o mundo seria melhor. “Às vezes venho aqui e tem quatro pessoas, é triste isso.”

     Simpático, ele é muito querido. Maria Aparecida Costa Duarte, coordenadora do setor de empréstimo domiciliar, há 16 anos entre os livros da Praça da Liberdade, cita o microempresário como exemplo de bom leitor. “Entre os mais velhos, tem gente que apenas pega os livros emprestados. O Clóvis não. Ele lê muito. Gosta de ler”, ressalta. Ao ver o ilustre leitor alvo da câmera entre as estantes, a funcionária de sorriso bonito dispara: “Tá parecendo um galã, heim!”. Tudo baixinho, muito respeitoso. Estamos na biblioteca.
 

     Tamanha intimidade alcançada com os continentes, levado pelas letras a conhecer a Europa e os Estados Unidos, para o aposentado pareceu uma nova visita. “Depois que me aposentei, passei 18 dias sozinho em Manhattan e parecia que eu conhecia a cidade. Não me senti um estrangeiro em Nova York. Talvez por todas as histórias lidas, passadas na ilha. Na Europa, me emocionei em Paris, diante do Arco do Triunfo. Portugal, nem posso dizer isso, mas chego a ver como o melhor da Europa”, sorri. Em meio às estantes, atende o telefone para tratar de negócios. Sem tirar o olho da prateleira, orienta o trabalho do outro lado da linha, saca um livro: Servidão humana, de William Somerset Maugham. “Este livro é fantástico. Li quando tinha 14 anos”.

     Divorciado, pai da nutricionista Carolina, de 32, e da advogada Isabella, de 29, Clóvis conta há 10 anos ter descoberto novo amor. Mas volta a falar da outra paixão: os livros. “Já tive época de paixões diferentes: O profeta, de Khalil Gibran; A ratazana, de Günter Grass; A montanha mágica, de Thomas Mann…”. O aposentado, leitor ilustre, também é internauta, “dos bons”, cliente da Estante Virtual – site que oferta mais de 9 milhões de títulos, “incluindo difíceis e esgotados”. No entanto, mesmo com planos de adquirir seu tablet nos EUA, na próxima viagem, Clóvis não abre mão de ter um bom exemplar nas mãos. “Não acredito no fim dos livros e faço questão de continuar marcando presença na biblioteca. Na companhia dos livros, nunca me sinto só”. Em casa, não conta ou acumula títulos. Os que compra são para doação. Para ele, os livros precisam circular. “Devem estar sempre ao alcance de todos”, ensina.
 

     Autor: Jefferson da Fonseca Coutinho, ator, professor, jornalista e escritor, designer, dramaturgo, preparador de elenco, professor de interpretação da PUC Minas e diretor de teatro.

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