Aguarde por gentileza.
Isso pode levar alguns minutos...

 

O inferno dos inventores

Enviado por Gilberto Godoy
o-inferno-dos-inventores


      Ruy Fabiano

     O Brasil responde hoje por apenas 0,1% da produção mundial de patentes. E, se ainda consegue figurar nas estatísticas, isso se deve, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, a “alguns raros heróis que se aventuram por aí, sem contar com infraestrutura, nem estímulos concretos”.

     Pior que isso: espoliados dentro do próprio país. É o caso, por exemplo, do mineiro-brasiliense Nélio Nicolai, autor e dono das patentes de dois inventos mundialmente consagrados: o bina (rebatizado pelas telefônicas de identificador de chamadas) e o salto (sinalização sonora que indica, durante uma ligação, que outra chamada está na linha).

     Os dois serviços são cobrados pelas companhias telefônicas em todo o mundo. Em São Paulo, por exemplo, a identificação de chamadas custa a cada assinante R$ 12,70 ou US$ 6.

     Embora as patentes estejam registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), cumprindo todos os requisitos, seu detentor, hoje com 71 anos, batalha judicialmente há mais de 30 anos pelos royalties que lhe cabem – e ao país.

     Mais grave ainda é saber que a invenção do bina serviu de plataforma para outros inventos da indústria eletroeletrônica, como os tablets, que hoje constituem a febre do mercado digital.

     Quanto o país poderia estar faturando com isso, sem contar os degraus que galgaria no ranking mundial de pesquisas científicas?

     O tratamento dado pelas autoridades públicas a esse caso é emblemático. Nélio, um técnico em telefonia, inventou o bina e o salto em 1977, quando trabalhava na Telebrasília.

     Seu invento, inicialmente saudado, foi a seguir tratado com hostilidade. O Departamento Jurídico da empresa recusou-se a auxiliá-lo no registro da patente, que teve que providenciar por conta própria, em 1979.

     Acabou demitido por ser considerado incômodo, ao insistir na adoção daqueles recursos pela empresa. Depois que a deixou, constatou que suas invenções estavam sendo oferecidas aos usuários pela quantia que, traduzida hoje em reais, montava a R$ 2,90.

     Entrou na Justiça primeiramente contra a Americel, que assinou contrato de transferência de tecnologia, em parceria com a Ericsson, a Intelbras e a Telemar, apropriando-se indebitamente do invento.

     Em 2003, a Ericsson, responsável pela maioria das centrais eletrônicas no Brasil, impetrou processo no Tribunal Federal da 2ª Região do Rio de Janeiro, pedindo nulidade da patente brasileira.

     Conseguiu “suspender” todos os direitos brasileiros e até hoje, Nélio aguarda a sentença, protelada por inúmeros recursos da ré.

     A tramitação do processo, que hoje envolve outras empresas beneficiárias dos serviços pelos quais não pagam (e faturam), esbarra numa declaração inicial, já desmentida, de um funcionário do INPI.

     Sem respaldo técnico do órgão, emitiu por conta própria parecer colocando em dúvida a patente, afirmando que não caracterizava “atividade inventiva”, nem tinha “suficiência descritiva”.

     Mas o próprio INPI, em caráter oficial, e posteriormente a Anatel e o Crea garantem o contrário. Isto é, a patente é absolutamente legítima, ao contrário do suspeito laudo inicial. Mesmo assim, chegou a ser anulada e, em grau de recurso, revalidada. E até hoje aguarda decisão final da Justiça.

     A partir de então, num ambiente para Kafka nenhum botar defeito, liminares e medidas protelatórias desabam periodicamente sobre o Tribunal, sem que o autor consiga apoio do Estado para uma iniciativa em que enfrenta solitariamente – e sem recursos - poderosas empresas multinacionais e nacionais.

     Enquanto a Justiça cozinha a sentença em banho-maria, Nélio dispõe de um documento que, em qualquer parte do mundo, seria o tiro de misericórdia: um diploma do World Intellectual Property Organization (WIPO), reconhecendo e recomendando sua patente.

     Aqui, porém, como a Itabira de Drummond, é apenas um quadro na parede, “mas como dói”.

     Em um país cioso de seus direitos, Nélio seria uma celebridade. O bina, afinal, representa um up grade de imensa importância na evolução da ciência digital, que faria dele um Steve Job tropical, compartilhando com o país uma justa fortuna, além do mérito intelectual por seu gênio inventivo.

     Para que se tenha uma ideia da escala do prejuízo, o Brasil tem hoje 200 milhões de usuários de celular com o serviço bina (nome evitado pelas operadoras para driblar problemas com a patente), que, a US$ 6 mensais (preço cobrado aos assinantes), garantem faturamento mensal de 2 bilhões e 400 milhões de reais. Isso sem contar com os royalties externos.

     O inventor de tudo teve de dilapidar todo o seu patrimônio e sobrevive com apoio de uns poucos amigos idealistas. E o Brasil continua na rabeira dos produtores de patentes do planeta, virgem de Prêmio Nobel.

     Até quando?

Comentários

Comente aqui este post!
Clique aqui!

 

Também recomendo

  •       “O poder político é um jogo social. Neste jogo, nunca é demais repetir, não se julgam os atos pelas intenções mas pelos efeitos. Você deve aprender a julgar todas as coisas pelo preço que terá que pagar por elas. Use este critério para tudo, inclusive para saber se deve colaborar com outras pessoas ou correr em seu auxílio... continua)


  •    Como os “donos do poder” procedem a manipulação e o controle da opinião pública? A chamada Psicologia Política sabe bem sobre estas estratégias muito utilizadas atualmente. Algumas publicações atribuem este texto a Chomsky. Um tema polêmico. Estejamos atentos! Aqui vai um resumo:   (continua)


  •    Colbert foi ministro de Estado e da economia do rei Luiz XIV. Mazarino era cardeal e estadista italiano que serviu como primeiro ministro na França. Notável coleccionador de arte e jóias, particularmente diamantes, deixou por herança os "diamantes Mazarino" para...   (continua)


  •    Impunidade. Esse é um dos maiores traços de união entre o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. Em 1549, o velho Tomé de Souza, ao instalar o governo geral, deu forte demonstração de sua autoridade.   (continua)


  •  'Esta eleição tem sido dominada por medo e raiva', diz o psicólogo Gilberto Godoy, presidente da comissão de ética do Conselho Regional de Psicologia do DF; leia entrevista completa no link abaixo. Faltando poucos dias para o segundo turno das eleições de 2018, sentimentos negativos se acumulam na vida dos eleitores – qualquer que seja a posição ideológica. A pesquisa Datafolha do último dia 2 de outubro confirmou, em números, a impressão gerada pelas redes sociais, pelas conversas de bar e até pelos já temidos "grupos da família".   (continua)
    Link do G1:
    https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/10/14/eleicao-tem-sido-dominada-por-medo-e-raiva-diz-psicologo-leia-entrevista.ghtml


  •       Por Marco Antonio L. do jornal O Dia

         Há dinheiro mas faltam projetos para as cidades. Levantamento aponta que há R$ 60 bilhões para mobilidade urbana no País até 2016, mas muitas prefeituras não têm planos consistentes, segundo especialistas.   (continua)


  •    Não passa deste mês a decisão da Câmara dos Deputados de autorizar ou não a abertura do processo de afastamento da presidente Dilma do palácio do Planalto. Autorizado o impeachment, caberá ao Senado a palavra final, sendo que nos 180 dias entre a manifestação dos deputados e a dos senadores, sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal...   (continua)


  •    Por Gabriela Valente, Cássia Almeida e Efrém Ribeiro, O Globo

       A crise econômica bateu em cheio na renda dos brasileiros e, pela primeira vez desde 2010, fez o país cair no ranking de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (ONU). ... O Brasil passou da 74ª posição para 75ª numa lista de 188 nações que são classificadas com base em três indicadores: saúde, educação e renda. Juntos, esses três fatores são combinados para compor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que varia de zero a 1.    (continua)


Copyright 2011-2024
Todos os direitos reservados

Até o momento,  1 visitas.
Desenvolvimento: Criação de Sites em Brasília