Aguarde por gentileza.
Isso pode levar alguns minutos...

 

Adieu, adieu, adieu - Luis Fernando Veríssimo

Enviado por Gilberto Godoy
adieu--adieu--adieu---luis-fernando-verissimo

    Sabe-se muito pouco sobre a vida de Shakespeare, e ninguém pode dizer ao certo o que é verdade ou invenção no pouco que se sabe.

   Encontrei o livro numa livraria de língua inglesa em Munich. O título era irresistível: “Nabokov’s Shakespeare”. O William Shakespeare de Vladimir Nabokov! Escrito por um americano de quem eu nunca tinha ouvido falar, Samuel Schuman, especialista em Nabokov e ex-presidente da Sociedade Internacional Vladimir Nabokov, que eu também não sabia que existia.

   O que Schuman faz no livro é catar todas as referências a Shakespeare na obra de Nabokov e descobrir paralelos nas peças de um nos romances do outro. Levando o leitor, numa viagem de prospecção intelectual fascinante, a descobertas insuspeitadas.

   Você imaginaria que o “Lolita” do Nabokov tem muito a ver com “A tempestade” de Shakespeare? As alusões do russo ao inglês que Schuman encontra às vezes aparecem como ouro em areia lavada, só visível a olhos treinados e exigindo algum esforço, e às vezes são explícitas.

   Só um exemplo: o predador Humbert Humbert do Nabokov, um monstro assumido tanto quanto o Caliban do Shakespeare, diz que meninas da idade da sua presa Lolita “não são humanas mas nínficas (isto é, demoníacas)” e habitam, metaforicamente, o que ele descreve como “uma ilha encantada, que assombram, rodeada por um mar vasto e brumoso” — o que é exatamente a descrição da ilha mágica em que Próspero se despede da vida, na peça em que Shakespeare — que não escreveria mais nada depois — se despede do público.

   Além de “A tempestade”, quase todas as peças de Shakespeare forneceram citações a Nabokov, algumas escondidas e outras à tona, e cada uma tem seu capítulo no livro de Schuman. O capítulo mais longo trata de “Hamlet”, que era a peça preferida de Nabokov.

   Sabe-se muito pouco sobre a vida de Shakespeare, e ninguém pode dizer ao certo o que é verdade ou invenção no pouco que se sabe. Nabokov — para quem “Hamlet” era “provavelmente o maior milagre da história da literatura” — gostava de uma história sobre o Shakespeare ator, mesmo sem poder saber se era fato.

   Shakespeare teria interpretado o fantasma do pai de Hamlet, que aparece no começo da peça e pede que seu filho vingue sua morte. (Quando perguntaram ao Nabokov que cena ele gostaria de ver filmada um dia, ele respondeu: “Shakespeare no papel do fantasma do rei”). Para Nabokov, Shakespeare só queria se apropriar da última fala do fantasma, antes de voltar para a noite da morte:

   “Adieu, adieu, adieu. Remember me. Remember me.”

   Lembrem-se de mim... Shakespeare não precisava ter se preocupado.

Comentários

Comente aqui este post!
Clique aqui!

 

Também recomendo

  •      Autor e obra são coisas diversas e, exceto por quem gosta mais de fuxicos que de arte, o segundo é importante e o primeiro quase o não é. Talvez a contundência dessa afirmação deva-se ao paroxismo a que chegou o interesse por descobrir detalhes biográficos dos autores, numa atividade de investigação obstinada e fetichista em busca provavelmente de nada.   (continua)


  •     Por Carlos Willian Leite Da Revistas Bula 
       Escritores, jornalistas e professores foram convidados à responder a pergunta: Quais livros você levaria para uma ilha deserta? Cada participante poderia indicar entre um e dez livros de autores, de todas as épocas, brasileiros ou estrangeiros, tendo como critério principal...   (continua)


  •      Entre os problemas que um casal enfrenta durante sua relação, sempre há aqueles relacionados ao dinheiro. As divergências nos perfis investidor e consumidor de cada um podem trazer conflitos no orçamento e na hora de fazer planos para o futuro e a independência financeira.   (continua)


  •    Segundo os filósofos, 'aquilo em que um homem acredita, acaba sendo a sua realidade'. Durante anos eu disse que não era mecânico e não era mecânico. Ao dizer que não sabia sequer distinguir uma ferramenta de outra, fechava-se as portas de um mundo de luz. Tinha de haver alguém para consertar os meus aviões para que eu pudesse voar.   (continua)


  •       "Esse espanto perante a ordem é a primeira inspiração da ciência. Quando um cientista enuncia uma lei ou uma teoria, ele está contando como se processa a ordem, está oferecendo um modelo de ordem. Agora ele poderá prever como a natureza vai se comportar no futuro. É isto que significa testar uma teoria...   (continua)


  •   ​"Sócrates? Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles...   (continua)


  •    Este vídeo é parte do tour guiado da Revista Nova Escola na exposição de Machado de Assis no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Vale a pena! De Machado, sugiro, especialmente, o conto 'A teoria do Medalhão'. Traz uma análise do comportamento de alguns membros da sociedade.   (continua)


  •    Quando menina, eu não tinha muitos livros. Na verdade, até os seis anos de idade não tinha nenhum. Foi aí que alguém presenteou a nossa família um exemplar de: O Pequeno Príncipe. Assim se deu a minha estreia no mundo sem precedentes da literatura, e do principezinho…   (continua)


Copyright 2011-2024
Todos os direitos reservados

Até o momento,  1 visitas.
Desenvolvimento: Criação de Sites em Brasília