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Especulações em torno da palavra homem - CDA

Enviado por Gilberto Godoy

“Mas que coisa é homem,

Que há sob o nome:

Uma geografia?

Um ser metafísico?

Uma fábula sem

Signo que a desmonte?

Como pode o homem

Sentir-se a si mesmo,

Quando o mundo some?

Como vai o homem

Junto de outro homem,

Sem perder o nome?

E não perde o nome

E o sal que ele come

Nada lhe acrescenta

Nem lhe subtrai

Da doação do pai?

Como se faz um homem?

Apenas deitar,

Copular, à espera

De que do abdômen

Brote a flor do homem?

Como se fazer

A si mesmo, antes

De fazer o homem?

Fabricar o pai

E o pai e outro pai

E um pai mais remoto

Que o primeiro homem

Quanto vale o homem

Menos, mais que o peso?

Hoje mais que ontem?

Vale menos, velho?

Vale menos, morto?

Menos um que outro,

Se o valor do homem

É a medida de homem?

Como morre o homem,

Como começa a morrer?

Sua morte é fome

Que a si mesma come?

Morre a cada passo?

Quando dorme, morre?

Quando morre, morre?

A morte do homem

Consemelha a goma

Que ele masca, ponche

Que ele sorve, sono

Que ele brinca, incerto

De estar perto, longe?

Morre, sonha o homem?

Por que morre o homem?

Campeia outra forma

De existir sem vida?

Fareja outra vida

Não já repetida,

Em doido horizonte?

Indaga outro homem?

Por que morte e homem

Andam de mãos dadas

E são tão engraçados

As horas do homem?

Mas que coisa é homem?

Tem medo de morte,

Mata-se, sem medo?

Ou medo é que o mata

Com punhal de prata,

Laço de gravata,

Pulo sobre a ponte?

Por que vive o homem?

Quem o força a isso,

Prisioneiro insolente?

Como vive o homem,

Se é certo que vive?

Que oculta na fonte?

E por que não conta

Seu segredo

Mesmo em tom esconso?

Por que mente o homem?

Mente mente mente

Desesperadamente?

Por que não se cala,

Se a mentira fala,

Em tudo que sente?

Por que chora o homem?

Que choro compensa

O mal de ser homem?

Mas que dor é homem?

Homem como pode

Descobrir que dói?

Há alma no homem?

E que pôs na alma

Algo que a destrói?

Como sabe o homem

O que é sua alma

E o que é alma anônima?

Para que serve o homem?

Para estrumar flores,

Para tecer contos?

Para servir o homem?

Para criar Deus?

Sabe Deus do homem?

E sabe o demônio?

Como quer o homem

Ser destino, fonte?

Que milagre é o homem?

Que sonho, que sombra?

Mas existe o homem?”

Carlos Drummond de Andrade

Comentários

  • por: Frennessey S. Leal em sábado, 31 de agosto de 2013
    São muitas interrogações, e de muitas interrogações também é feito o homem. Mas será que realmente isso faz o homem? Bela e profunda poesia!

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