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Interstellar - Amor, Metafisica e Espaço - Pedro Cruz

Enviado por Gilberto Godoy
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   Por milhares de anos, em diferentes culturas, os céus são concebidos como um documento onde se registra a ação divina. Mas nas eras de um tempo recente, a astronomia se tornou um campo específico de ciência, em seu sentido cartesiano de hipótese-método-teste-prova-tese-hipótese... Ainda assim, o fascínio pelo céu enquanto mistério não morreu. Nós o experimentamos a cada nova descoberta astronômica efusivamente anunciada, pois mesmo que a maioria de nós não entenda os cálculos complexos, temos sorte de contar com mentes tais quais as de Carl Sagan ou Neil deGrasse, que tornam a astronomia e a astrofísica mais pitorescas.

   Interstellar é um filme propício para vivenciar esse fascínio por tudo o que existe além da atmosfera terrestre, conforme reconstitui um espaço sideral que não é alegórico, e que tenta arduamente não parecer fictício – se tornando assim um simulacro. A fantasia da viagem cósmica transmuta-se como pretensa recriação objetiva e fiel das imagens possíveis de admirar numa volta pelo espaço; em termos óticos, e por vezes auditivo. Interestelar nos permite sentir essa pseudo-veracidade de escalas siderais inatingíveis, como suas referências à 2001 Uma Odisseia no Espaço asseguram, e ratifica o fascínio pelo universo. Assim nos deslumbramos vagando entre planetas, whorm holes, buracos negros, etc.

   Mas a “carta na manga” da fórmula de Nolan é a sua capacidade de gerar uma empatia específica, onde o expectador não apenas – ou necessariamente – se identifica com os personagens, mas acima de tudo compreende suas perspectivas e escolhas, sem julgá-las. Essa empatia confronta-se à objetividade das representações astronômicas e científicas, e logo o enredo e as tramas emocionais ganham um aspecto profundamente realístico em meio à ficção – por isso o desenvolver da trama cósmica deslumbra o expectador, mas não aos personagens, presos em suas tramas emocionais.

   A empatia com os propósitos dos personagens nos faz ratificar a postura do engenheiro Cooper como um mártir, que abdica de viver o presente com seus filhos, para garantir-lhes o futuro. Mas diferente do Bruce Wayne, que abre mão de Rachel em prol do bem maior de Gotham, Cooper se preocupa com o mundo apenas enquanto recurso para sua própria família, e não está disposto a embarcar em uma missão sem retorno; ainda que o retorno signifique o fim da espécie. Aqui o sentimento fraterno consolida sua resistência e mede forças tanto com a racionalidade kantiana do conhecimento desprovido de valores, quanto com um pretenso interesse darwinista acima do interesse individual.

   Esse conflito orienta a maior parte da tensão em Interstellar e confere linearidade à sua trama. Todavia, a razão kantiana é derrotada pelo amor que origina um tipo peculiar de inteligência metafísica, onde as sensações inerentes ao vínculo afetivo são superiores à razão, mas de uma forma quase mítica, sem precisar de provas. Esse amor está presente entre Cooper e Murphy, ou entre a Dra. Brand e seu amado.

   O apego ao sentimento gera a certeza absoluta de que perseguir a seus desmandos consiste em uma forma de razão superior, a qual mesmo sendo meramente especulativa, vai demonstrar-se magicamente correta. É certo que Amanda Brand havia calculado com razão plena as chances de encontrar condições para vida no planeta onde seu amado estava, mas foi o argumento emotivo que comprometeu sua credibilidade perante os outros, e por não ceder à emoção, os personagens são punidos através da covardia de Dr. Mann – o que vem quase como uma punição divina.

   Aqui, o oposto do amor surge como a maldade, uma característica motivacional exclusiva dos seres humanos, que foi capaz de atravessar dimensões e resistir à vastidão do espaço – tal qual o amor. Mas a maldade leva a ações errôneas e ao colapso do agente; a maldade é entrópica e o amor é a inteligência intuitiva que não precisa de provas – essa é a metafísica do amor em Interstellar.

   A dualidade razão-sentimento também se observa na icônica inteligência artificial dos robôs TARS e CASE. Seus softwares contam com uma opção de “nível de Humor”, que pode ser ajustado pelos humanos – contudo, um humor de nível 100% torna-se um verdadeiro incômodo, tal qual a sinceridade de nível 100%. Esses personagens são uma referência direta ao ilustre Marvin, o androide paranoide de Douglas Adams. E essa referência é irônica, pois se Marvin tivesse um software para sua escala de humor, a porcentagem certamente estaria negativa, se o próprio software já não houvesse cometido suicídio.

   Porém, os androides de Interstellar não transpassam uma confiança absoluta, como Marvin o fazia (apesar de tudo). De maneira perniciosa, eles geram um clima de tensão, como se estivessem na iminência de decair à temática da inteligência artificial que se volta conta o criador. Assim, até que os robôs se lancem irrestritamente ao sacrifício em prol do ser humano, eles mantêm no público a impressão constante de que “esse robô vai fazer merda”. Mas sua inteligência superior – e bem humorada – é também emotiva, a ponto de eles se tornarem boas companhias mesmo para uma cerveja ao final do dia de trabalho.

   Interstellar também consegue deixar palpável a sensação de relatividade do tempo, que se expressa de modo fundamental na percepção chocante das abruptas mudanças física dos personagens. A relatividade se torna crível por basear-se em mudanças repentinas, não dando espaço para diluir a transição cronológica. “Relatividade” poderia ser outro título para o filme, sem qualquer prejuízo de síntese.

   E o expectador também é cooptado pela relatividade, pois mergulha na beleza plácida dos astros, experimenta a estadia em planetas exóticos, é intencionalmente confundido pela agilidade excessiva de explicações que não permitem reflexão rápida – mas que também não irritam –, e as quase três horas decorrem como se poucos minutos houvessem passado.

     Fonte: Pedro Cruz via Obvious

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