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Meu Anjo - Machado de Assis

Enviado por Gilberto Godoy
meu-anjo---machado-de-assis
"Um anjo desejei ter a meu lado...E o anjo que sonhei achei-o em ti!...
 
C. A. DE SÁ
 
 
És um anjo d’amor — um livro d’ouro,

Onde leio o meu fado
 
És estrela brilhante do horizonte

Do Bardo enamorado
 
Foste tu que me deste a doce lira

Onde amores descanto
 
Foste tu que inspiraste ao pobre vate
 
D’amor festivo canto;
 
É sempre nos teus cantos sonorosos
 
Que eu bebo inspiração;Risos, gostos, delícias e venturas
 
Me dá teu coração.
 
teu nome que trago na lembrança
 
Quando estou solitário,
 
Teu nome a oração que o peito reza
 
D'amor um santuário!
 
E tu que és minha estrela, tu que brilhas

Com mágico esplendor,
 
Escuta os meigos cantos de minh’alma

Meu anjo, meu amor.
 
Quando sozinho, na floresta amena
 
Tristes sonhos modulava,
 
Não em lira d'amor — na rude frauta
 
Que a vida me afagava,
 
Tive um sonho d'amor; sonhei que um anjo

Estava ao lado meu,
 
Que com ternos afagos, com mil beijos
 
Me transportava ao céu.
 
Esse anjo d'amor descido acaso
 
De lá do paraíso,
 
Tinha nos lábios divinais, purpúreos
 
Amoroso sorriso;
 
Era um sorriso que infundia n'alma
 
O mais ardente amor;

Era o reflexo do formoso brilho
 
Da fronte do Senhor.É anjo sonhado, cara amiga,

A quem consagro a lira,
 
És tu por quem minh'alma sempre triste

Amorosa suspira!
 
Quando contigo, caro bem, d'aurora

O nascimento vejo
 
Em um berço florido, e de ventura
 
Gozarmos terno ensejo;
 
Quando entre mantos d'azuladas cores
 
A meiga lua nasce
 
E num lago de prata refletindo

Contempla a sua face;
 
Quando num campo verdejante e ameno

Dum aspecto risonho
 
Ao lado teu passeio; eu me recordo
 
Do meu tão belo sonho
 
E lembra-me esse dia venturoso
 
Em que a vida prezei
 
Que vi teus meigos lábios me sorrirem,

Que logo te adorei!
 
Nesse dia sorriu a natureza
 
Com mágico esplendor

Parecia augurar ditoso termo

Ao nosso puro amor.
 
E te juro, anjo meu, ditosa amiga,

Por tudo que há sagrado,
 
Que esse dia trarei junto ao teu nome
 
No meu peito gravado.
 
E tu que és minha estrela, tu que brilhas

Com mágico esplendor,
 
Escuta os meigos cantos de minh'alma,

Meu anjo, meu amor!"
 

Nota:
     Machado de Assis nasceu pobre, em um morro do Rio de Janeiro, em um Brasil preconceituoso demais. Filho de lavadeira e pai operário ficou órfão muito cedo e estudou como pode, já que não podia freqüentar cursos regulares. Pobre epilético e neto de escravos morando na favela. Qual a chance de uma pessoa assim conquistar uma posição na sociedade escravagista da época?
     Aos seis anos de idade presenciou a morte da única irmã. Quatro anos mais tarde, morre-lhe a mãe. Em 1854 o pai casou-se com Maria Inês. Aos quatorze anos, Joaquim Maria ajudava a madrasta a vender doces para sustentar a casa, tarefa difícil depois da morte do pai. Não se sabe se freqüentou regularmente a escola. O que se sabe é que, adolescente, já se interessava pela vida intelectual da Corte, onde trabalhou como caixeiro de livraria, tipógrafo e revisor, antes de se iniciar como jornalista e cronista.
     Machado de Assis com certeza deparou-se um dia com uma estrada que apontava dois caminhos, de um lado, a estrada mais simples, a da lamentação, onde ele poderia usar toda a desgraça que o acompanhava para viver o resto de sua vida como um miserável resmungão, um chorão, talvez um “alcoólatra”, ou quem sabe, usuário de uma droga qualquer, porque a desculpa ele já tinha. De outro lado, havia a estrada dos sonhos, dos objetivos. Estrada que aos olhos dos outros e dos mesquinhos, era a estrada do impossível. Era uma estrada cheia de dificuldades, mas o amor pelas letras, pela língua portuguesa, o enchiam de certezas.  Determinação, recusar o mal por si mesmo. Recusar a lamentação, as dores, sem aumentar os problemas, por piores que sejam. É preciso acreditar na vida, na sua capacidade de criar, de construir, de levantar paredes novas, pintar novas cores... 

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